sexta-feira, 24 de julho de 2020

A Monark Barra Circular.




Veja agora a história de um dos modelos mais lonjevos ainda em fabricação no mundo, e que se tornou símbolo da bicicleta brasileira


Famosa por ser uma utilitária resistente, feita para o trabalho e o transporte em terreno rural e acidentado, a Barra Circular teve uma origem bem mais ocasional do que se imagina. Há muito o Brasil já demandava por bicicletas resistentes e feitas para o transporte, e a partir dos anos 60, a Monark já fabricava bicicletas com quadro reforçado, como a Monark Brasilialna e a BR 65.. Mas foi com a série Rei Pelé de 1966 em homenagem ao crack da copa do mundo daquele ano, que teve início a história da bicicleta que se tornou a utilitária mais popular do Brasil. Não se sabe ao certo o que inspira o círculo no interior do quadro, elemento que daria nome ao modelo posteriormente, embora a hipótese mais provável seja a própria bola de futebol, que também naquele ano teve representação tridimensional como adorno do para-lama dianteiro.

Em 67, no embalo da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviêtica que virara tema recorrente da época, surge a linha Galáxia, com estilo futurístico em seu farol embutido e refletor no estilo turbina a jato. Foi suscedida no ano seguinte pela linha 2001, em apologia ao filme "2001, uma odisséia no espaço", de Stanley Kubrick. Dentre as poucas mudanças, o conhecido cobre corrente peixe, que permaneceria até 72.

Mas o destaque viria em 1970, com o retorno da temática futebolística à linha, que embora sem mudanças significativas, se tornou a mais conhecida pela conquista brasileira do tri campeonato mundial: a Linha Olé 70. No ano seguinte, a linha Brasil de luxo 71 aposentava a primeira geração da Barra Circular e seu alto quadro curvo, dando lugar a Série Águia de outro 72. Totalmente reformulada, adota então pela primeira vez o padrão que permanece até hoje. De quadro mais baixo para atender a grande variedade de estatura do Brasileiro, e os tubos-suporte do canote formando o apoio do bagageiro que apenas naquele ano saia integrado ao quadro por solda, fato que levou muitos proprietários a serrar o componente, tornando a geração mais curta da história da Barra Circualr ainda mais rara de se encontrar hoje. No ano seguinte, na 3º geração: Brasil de Ouro 73 a Monark corrigiu o bagageiro passando seu arco à frente do tubo do selim. Dentre as mudanças dessa geração, estava o novo cobre-corrente modelo "avião", e o aro 26 como padrão.

Em 1974, a grande crise econômica mundial afeta o petróleo, levando o preço do barril as alturas. Os postos de gasolina são fechados a noite e nos finais de semana. A Monark lança a linha Águia Imperial 74, seguida no ano seguinte pela Centauro 75, sem grandes mudanças além dos grafismos. Contudo a crise levaria a colocar em questão alternativas ao uso dos combustíveis fosseis, e a bicicleta passa a ser o veículo mais requisitado. A Monark explora o momento em sua publicidade, na série 5 Estrelas de 1976, com a campanha "Operação Bicicleta". As vendas decolam, mas o principal carro-chefe da Monark ainda é a Monareta, que não parava nas lojas.

Em 77 surge a principal concorrente da Barra Circular, mas que só chegaria a incomodar mais tarde: A Caloi Barraforte. Em 79 a 3 geração enfim é reformulada com novo cobre-corrente envolvente e para-lamas arrendondados, que seguiria a toda linha Tropical 79, marcada pleos grafismos coloridos em padrão laranja e amarelo. No ano seguinte a série olímpica, em comemoração as olimpíadas de Moscou, e a então chamada Barra Dupla Circular passa a se chamar apenas Barra Circular, ganhando uma versão de luxo, a Super, com farol e dínamo, para-lamas e cobre corrente cromados e selim de duas molas. Essa versão seria ainda mais requintada em 81, ganhando câmbio japonês Shimano de três marchas aproveitado da Monark 10. Nesse ano, poucas mudanças além do apagado grafismo, mas o bagageiro é encurtado não mais passando à frente do tubo do selim, e de alça mais baixa que se tornou totalmente plana no ano seguinte. Com novas cores metálicas e cobre-corrente duplo, a linha 82 marcava o início da maior decolada da utilitária da Monark, que começa a superar o sucesso de vendas da própria Monareta que começava dar sinais de cansaço, e viria ser ofuscada pela Febre BMX. Chegaram a ser fabricadas as versões infantis aro 14 e 16, produzidas em paralelo com a Monareta mirim, e posteriormente aro 20, todas versões bastante raras.

 Em 84, enfim chega a 4ª geração, com mudanças superficiais do quadro mas detalhes esteticamente marcantes. O reforço do tubo superior encurtara alguns centímetros, agora totalmente embutidos por uma chapa metálica da cor dos para-lamas e do grande cobre corrente envolvente. A concorrente Caloi Barraforte chega na sua 3ª geração, com recursos de destaque como assento no tubo superior, e se torna uma forte oponente, mas a Monark ainda segue na liderança e em 86 lança a série especial Rei Pelé, em comemoração a copa do mundo, e no ano seguinte, a raríssima Asa Branca 87 em homenagem aos 40 anos da icônica canção de Luiz Gonzaga, e Humberto Teixeira. A linha TS desse ano trazia o novo logotipo, e cores de dois tons, mas o principal apelo comercial da marca que começava a se incomodar com a concorrente Caloi ainda era a robustez e resistência.

Em 90 chega 5ª e curta geração, com quadro redesenhado, mais simples, se torna um pouco mais leve, mas com a robustez que a caracteriza até os dias de hoje. Em 93, adota solda direta e abole os cachimbos, nasce então a 6ª e mais longa geração, a Supertubo, que adentraria os anos 90 até a segunda metade da década seguinte sem quase nenhuma alteração, apagada e secundarizada pela febre das Mountain bikes que invadiu o mercado e os apelos do automóvel popular. Isso fez surgir neo-colecionáveis raras dessa época, como a Especial 50 anos Monark de 1998 e seus grafismos dourados. O modelo entrou o século 21 amargando a perda de qualidade dos componentes que, com a crescente desindustrialização, não mais eram produzidas pela Monark, mas importados. Contudo a Barra Circular ainda seguia demandada por um publico fixo, principalmente no interior do país, e no início da década de 2000 ela retoma um novo vigor entre os jovens. Em 2005 a última série da geração Supertubo trazia nos grafismos a figura da águia relembrando as séries do inicio dos anos 70, e uma inédita opção de cor branca.

Como resultado do declínio que sofrera nas ultimas décadas, em 2007 a Monark fecha suas fábricas em São Paulo e Manaus, e transfere sua produção apara Indaiatuba-SP.  Após quase 16 anos finda-se então a Supertubo e em 2008 nasce a 7ª geração da Barra Circular, e que permanece até hoje. Dentre as sutis mudanças, o tubo da caixa de direção mais largo. de desenho semelhante ao da antiga Monareta. E em 2013, o bagageiro de tubo mais grosso. Atualmente a Barra Circular oferece 3 versões que se diferenciam pelo freio, contra-pedal, V-break, ou Inglês tipo varão, uma das poucas bicicletas atualmente a ainda sair de fábrica com este tradicional e confiável freio.

Apesar de não mais ser a mesma de outros tempos, tanto na qualidade dos componentes originais quanto no vigor de vendas, a Barra Circular segue sendo demandada principalmente no interior do país, devido sua resistência e confiabilidade, além da simples e barata manutenção, mas também é bem estimada entre os entusiastas para o uso urbano. A bicicleta do trabalhador parece ter seu êxito inesgotável, tanto que segue sendo copiada por diversos fabricantes de bikes e quadros, mostrando que a pioneira Barra Circular, mais que um modelo de bicicleta, se tornou símbolo da identidade da bicicleta Brasileira.

Conde L. Terranova

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Restauração: Caloi Barraforte 1982.

Recentemente dando uma vasculhada no OLX em busca de uma bicicleta para restaurar, dei de cara com uma peça bastante interessante abandonada. O anúncio se referia a uma bicicleta Caloi Barraforte 79, canibalizada, sem guidão nem roda dianteria, mas posteriormente verifiquei que o ano dela é 1982. Rodei 21km atravessando a cidade e a trouxe rebocada na minha Barra circular. Abaixo publiquei uma sequência de vídeos desse resgate no meu canal:









História da Barraforte:

Substituindo a famosa Caloi Arco Duplo, a primeira geração da Barraforte foi lançada em 1977 para competir com a Barra Circular, grande sucesso da Monark, entrando na briga dentre as bicicletas utilitárias para uso rural e urbano cuja característica marcante é a robustez e a resistência para o trabalho e rotina diária de uso, bem como manutenção simples e barata. Além da Barraforte, entraram na briga também, as obscuras Peugeot Combate e Brandani BC2-A, esta última parecida com a Monark.
Inicialmente a primeira geração, que durou de 77 a 83, se caracterizava pelo bagageiro reforçado, e quadro com duas barras curvas embutidas por uma chapa de metal ligando o tubo do selim ao tubo inferior (Downtube), além de duplo cobre-corrente.

        Folheto de lançamento da Barraforte 77, (acima a Caloi Arco Duplo, sua antecessora) Foto: Museu da bicicleta - Facebook.

Em 1979 é lançada as versões Luxo e Super Luxo que contava com opcionais como farol e Dínamo japonês "Mitsuba", e novos grafismos coloridos. As versões da Barraforte aparecem no catálogo da Caloi como L e SL. Em 1981 é lançada a Super Luxo 3, que adicionava uma relação de 3 marchas com câmbio japonês Suntour, emprestado da Caloi 10, e os grafismos ficam mais sóbrios, com ângulos retos e com variação de cores conforme a cor da bicicleta.



A segunda geração da Barraforte viria em 82, conhecida também como Pescoço de Ganço pelo seu desenho pitoresco. Esta geração foi a primeira a contar com o inédito assento para passageiro no tubo superior, revestido de estofado, mostrando o esforço da Caloi em buscar soluções de versatilidade para desbancar a invencível Monark Barra Circular, que seguia na liderança invicta. Trazia também pela primeira vez, opção de sistema de freios a cabo de tipo "Side Pull".
Devido talvez ao seu desenho controverso, a nova Barraforte não viria a substituir a primeira geração, coexistindo juntas como versões diferentes.


 Catalogo Caloi 82, apresentando a Nova Barraforte, inicialmente na versão S, Foto: Museu da bicicleta - Facebook.





Em 1984, sai de linha a primeira geração, levando consigo também a segunda (Pescoço de ganço), e é lançada então a Barraforte GL, geração que ficaria sendo a mais conhecida por ter atingido sucesso relativo. Assim como ocorrera com a antecessora de 2º geração, o quadro ganharia angulo mais baixo, se adaptando a grande variação de estatura do brasileiro.


 3º Geração da Barraforte 1984, Foto: Museu da bicicleta - Facebook

 O refoço duplo do quadro sustentava assento estofado para passageiro e dois acabamentos plásticos próximo a caixa de direção, com a logo da Caloi. O quadro se tornava mais robusto e resistente, fato que garantiu algum espaço na dura concorrência com a Barra Circular. No ano seguinte, na linha 85, adotaria cobre corrente de peça única.
Provavelmente com os resultados positivos ao copiar características bem sucedidas da Monark Barra Circular, com a intenção de substituir a Barraforte de 3ª geração, já em 1986 a Caloi lança a Super C, carregando nomenclatura diferente possivelmente na tentativa de se desassociar da concorrente, trazia a mesma estrutura da antiga, mas com um conhecido elemento: O círculo como reforço do quadro. A nova Barraforte começaria então a perder sua identidade até se tornar uma bicicleta satélite de sua oponente da Monark. Contudo assim como ocorrera em 82 não substituiu a antiga, coexistindo com 3ª geração que continuaria em linha até pelo menos 1990, apenas como versões diferentes.

                                                                                         Barraforte 86

A Caloi Super C foi a penúltima geração da Barraforte, já com o mesmo desenho da sua concorrente Barra CircularFotos: Museu da bicicleta - Facebook.

A partir de inicio dos anos 90, sai de linha a Super C e chega a 5ª e última geração da Barra Forte, aposentando  os freios de tipo Inglês (varão), adotaria freios a cabo "cantilever" ou contrapedal, e aros de alumínio. Mais leve e de produção simples e mais barata já não tinha a mesma robustez anterior, o que deixava abaixo da Barra Circular que seguia com a mesma estrutura. A febre da MTB deixou o seguimento das bikes utilitárias, assim como todos os outros em segundo plano e a forte desindustrialização do país inundou o mercado de bicicletas e peças importadas, iniciando assim o declínio das duas grandes concorrentes nacionais Caloi e Monark, que já não produziam seus próprios componentes. A Barraforte permaneceria sem grandes alterações até ser, por fim, retirada de linha em 2011, como parte da reformulação da Caloi para a venda da tradicional fabricante brasileira a estadunidense Cannondale que ocorreria em 2013.

                                                        Ultima geração da Barraforte, aposentada em 2011.

Atualmente apenas a Monark Barra Circular continua em fabricação, dentre suas várias cópias de quadros de origem variada que inundaram o mercado. Embora nunca tenha atingido o sucesso de sua concorrente, a Barraforte marcou época pelo desenho bonito e original da sua primeira e terceira geração, sua versatilidade e resistência, além de curiosamente ter seu nome bastante conhecido a ponto de ser confundida constantemente, por costume de erro, à Barra Circular como se fossem a mesma bicicleta. Isso revela que o esforço publicitário da Caloi para emplacar a Barraforte deve ter sido tão grande que teve efeito contrário, beneficiando assim sua principal concorrente de nome semelhante.

Agradecimentos: Museu da Bicicleta - Catálogos e propagandas.

Conde L. Terranova